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UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO INTER-HUMANA

UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO INTER-HUMANA

NA FILOSOFIA DO EU E TU DE MARTIN BUBER

Yan Ricardo de Araújo Costa

“Que ninguém tente debilitar o sentido da relação: relação é reciprocidade.” (BUBER, 2017, p.54)

A problemática acerca da existência do homem perpassa a história, a cultura e a relação humana. O encontrar-se no mundo demanda do ser humano uma abertura para aquilo que lhe confronta. Em Martin Buber, essa abertura parte de duas palavras-princípio: “Eu-Tu” e “Eu-Isso”, ambas sendo formas de relação entre o homem e os outros seres instaurados no mundo. “Eu-Tu” é um ato essencial do homem, enquanto ente de relação, já o “Eu-Isso” se caracteriza pela experiência e utilitarismo reduzindo o mundo e o outro a meros objetos a serem conhecidos. Ambos os mundos devem se tocar e desenvolver sentido à existência humana que se dá na relação.

Influenciado pela moral kantiana, Buber expressa que o homem deve ser reconhecido em sua totalidade. O que quer dizer isso? Que o homem deve ser o fim da relação e não um meio para se alcançar algo. Não deve ser visto como uma coisa da qual se utilizará, mas como presença que se manifesta e permanece frente a face de quem o vê, sem poder ser, no entanto, apreendido ou conhecido em um mero conceito. O ato de se utilizar do outro gera, frente a sua face, um distanciamento, além de coisificar sua existência e desprezar a reciprocidade que se faz tão necessária para a vida enquanto um encontro ontológico. O utilitarismo compõe o mundo do “Eu-Isso” que é compreendido no domínio da experiência entre o Eu egótico(Traduzido do alemão EIGENWESEN, entendido também como ser próprio. O Eu egótico pode ser entendido como o Eu que visa o bem de si mesmo em suas relações. É o Eu da atitude dialógica “Eu-Isso” que experiencia e se utiliza das coisas, e até mesmo do outro. Cf. BUBER, 2001, p.146.), autocentrado e o objeto ao qual ele experiencia e é possuidor. O “Eu” dessa relação se deixa experimentar não para ser atingido pelo outro, mas sim para extrair dele classificações, decifrá-lo, eternizá-lo pelo cálculo ou conceito, enfim, fazê-lo seu objeto.

Nesse contexto, Buber abraça uma filosofia existencialista que facilite o encontro e o acolhimento total da existência humana. Ele não despreza a importância de uma relação que apenas experiencia o mundo, mas afirma que a relação e formação da pessoa vai além de uma mera postura de conhecedor e experienciador. O ser humano necessita da experiência para conhecer e se desenvolver na cultura, na técnica, afinal não somos apenas espírito, mas somos manifestação concreta e revelada na história do mundo: “O homem não é um dado abstrato, mas está inserido concretamente no mundo; O homem está inserido num contexto histórico, está no mundo.”( SIDEKUM, 1978, p.20.). No entanto não se pode limitar apenas ao que é experiência sensível, pois não compreenderíamos de forma holística o sentido de vida que está no ser em relação.

Para nos relacionarmos, faz-se necessário uma comunicação efetiva, uma linguagem clara, pois, dessa forma, a linguagem introduz o homem no meio social, tendo em vista que ela não é posse de um sujeito, mas de muitos, e por meio dela evidencia-se o aparecimento e a manifestação em totalidade de quem somos. Pela linguagem descobrimos o mundo e inferimos seu sentido, nela se oferece a totalidade de uma cosmovisão e é somente nessa totalidade que se dá a objetividade do mundo e o homem se revela. A linguagem constitui a essência do mundo e a essência do homem (SIDEKUM, 1978, p.38). O mundo serve de estrutura para o ser homem que, diferentemente de um animal, questiona sobre sua existência (SIDEKUM, 1978, p.8.), buscando significado para a sua vida. Nesse sentido, o homem não é fechado em si, mas é aberto, dinâmico, é força que se projeta para além de uma condição de ente (SIDEKUM, 1978, p.8). Por esse fator, a consciência de mundo só está presente no homem, pois apenas ele, pela faculdade da razão e dotado da linguagem, consegue tomar posse do conglomerado de informações e transformar naquilo que chamamos de “mundo (SIDEKUM, 1978, p.23). O mundo é um mundo humano, ligado sempre a uma relação intencional do homem (SIDEKUM, 1978, p.63.).

Por conseguinte, a vida em comunidade completa a sede existencial do homem o retirando tanto do individualismo quanto do coletivismo que deformam a sua existência: se, por um lado, o individualismo é uma atitude extrema que deforma o homem por o tornar fechado em si mesmo, fora da atitude dialógica com o outro, por outro lado, temos o coletivismo, outro extremo, que deforma o homem por não levar em conta a parcela de sua subjetividade e unicidade. Ambos são prejudiciais à formação do homem enquanto ser pleno de relação. Essa comunidade se finda no amor que não é um mero sentimento que compõe o indivíduo, mas que acontece entre os homens ao construírem uma relação recíproca e verdadeira. A mudança de mentalidade presente na visão puramente antropológica da idade moderna e a razão sendo utilizada para a tecnificação da vida humana e do mundo, os objetificando, leva o homem à crise de sentido, mas também desvela a ele a necessidade de se compreender como um ser inserido em um todo que o presentifica como tal. Isso revela a necessidade de se fazer presente na vida em comunidade.

Infere-se que viver é um movimento complexo que o homem realiza em toda a sua história. Sua existência está sempre em risco, especialmente no que tange o sentido de vida, seja pela mudança de mentalidade, seja pela inquietação interior que esse possui em obter sentido para viver, mas principalmente por causa da degradação histórica nos valores que possibilitavam maior encontro inter-humano. Ademais, a existência humana só pode se atualizar e se desenvolver a partir da relação, pois essa presentifica o homem revelando o norte do mundo pelo qual ele está inserido concretamente. Esse homem, de forma especial, só poderá superar as relações utilitaristas se, em posição de abertura ao outro, assumir a responsabilidade de participar do encontro face-a-face. No entanto, para que o Encontro aconteça, de fato, no relacionamento humano, faz-se necessário a esfera da reciprocidade que não depende só de um, mas de ambos os lados, culminando na graça do encontro.

Referências

BUBER, Martin. Eu e Tu. Newton Aquiles Von Zuben (trad.). 10.ed. São Paulo: Centauro, 2001.

SIDEKUM, Antônio. A intersubjetividade em Martin Buber. 1978. 112 f. Dissertação (Pós-graduação em Filosofia) – Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Universidade de Caxias do Sul, Porto Alegre- RS.

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