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“Simão, tu me amas? Apascenta meus cordeiros…” (Jo 21, 15-18)

“Simão, tu me amas? Apascenta meus cordeiros…” (Jo 21, 15-18)

A missão é para os cristãos elemento fundamental na sua adesão à Jesus Cristo. Pela graça batismal somos chamados a uma vida nova, uma vida que é vivida com e em Jesus Cristo. Os apóstolos foram os que mais souberam se configurar a vontade de Deus, justamente pela grande proximidade e intimidade com Jesus. Um grande exemplo para nós é o apóstolo Pedro, que fez uma experiência única com seu Senhor. Essa experiência está contida no epílogo do Evangelho de São João, em que Jesus Ressurreto se manifesta aos apóstolos, que retornaram para as suas tarefas cotidianas e os fizeram passar por uma experiência única de fé.

Pedro possui um papel fundamental neste relato, e não atoa ele recebe de Cristo o encargo de apascentar as ovelhas, ser um pastor. Após cada interrogação de Jesus se Pedro o amava, este era chamado a apascentar as ovelhas. Esta tríplice confissão de amor por parte de Pedro, que está ligada diretamente à sua tríplice negação, leva-nos à conclusão de que o homem, mesmo pecador, mesmo com as dificuldades da vida, é chamado a fazer essa experiência de reconhecer o amor de Deus e experimentá-lo. Outro ponto, presente no início da perícope, que torna mais explícito essa experiência é o fato de Pedro, ao ter reconhecido que era o Senhor, ter se vestido rapidamente e se lançado em direção a Jesus, atitude deveras significativa e simbólica, visto que reconhecer o Senhor faz com que cada homem, cada discípulo, tome para si a dignidade de filho de Deus e vá energicamente ao seu encontro.

Pedro é interrogado por Cristo se ele o ama mais do que estes, pois Cristo quer que Pedro faça uma experiência madura de amor, de fidelidade ao seu Senhor, e após isso confia o pastoreio em suas mãos. A tríplice interrogação de Jesus não pode ser vista como uma tentativa de Jesus de denunciar a falta cometida por Pedro em sua negação, que fora fruto de uma entrega imatura e apressada. Tão cheio de si, Pedro cria que amava a Jesus, até mesmo dizendo anteriormente “Darei minha vida por ti” (cf. Jo 13, 37), entretanto, sua atitude demonstrou o contrário, negou três vezes seu Senhor. Sua atitude imatura reflete que em seu profundo, o amor que possuía por Cristo era na verdade um amor egoísta e individualista. Para amar verdadeiramente é preciso superar essa imaturidade. São Beda, o Venerável, dizia que Pedro, inchou-se de vanglória, negou Jesus, foi humilhado, chorando se purificou e confessando, foi abençoado até ser capaz de padecer, “morrendo com perfeito amor pelo nome de Jesus, ele que, com pressa desregrada, tinha prometido dar a sua vida por ele”(O Evangelho de João na interpretação dos Padres da Igreja e Teólogos Medievais. Pg. 320.) . E ainda continua dizendo:

Era necessário, primeiro, que Cristo morresse pela salvação de Pedro e, depois, que Pedro oferecesse sua vida para a pregação de Cristo. O que a humana ousadia tinha começado a realizar foi o contrário do que a disposição divina tinha estabelecido. Pedro imaginava dar sua vida por Cristo, ele que devia ser liberto pelo seu libertador, enquanto Cristo vinha oferecer a sua vida por todos os seus, entre os quais havia Pedro, o que de fato aconteceu(O Evangelho de João na interpretação dos Padres da Igreja e Teólogos Medievais. Pg. 320.).

O amor deve ter a primazia no pastoreio, pois é ele que deve guiar todos os atos de um pastor. Apascentar as ovelhas do rebanho é unicamente uma atitude de amor. Aqueles que assumem o rebanho sem amor fazem dele uma forma de adquirir para si benefícios egoístas, tornam-se cobiçosos, e desejam para si a glória, tudo o que fazem não é pelo desejo de obedecer, ajudar e glorificar a Cristo.

São Boaventura também faz seu comentário sobre essa perícope dando um belíssimo enfoque nesta realidade do amor. Segundo Boaventura reflete que mesmo Pedro tendo se entristecido com as três indagações de Cristo, ainda assim não se desanimou e soube responder, “Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo”. Sua resposta contém em si grandiosa confiança e pertença ao Senhor. Mesmo temendo que novamente acontecesse com ele o episódio da sua negação após ter dito que daria a vida por Cristo, Pedro permanece firme em sua resposta de amor e também reconhece que Jesus o conhece mais profundamente do que ele mesmo o conhece. Por fim Jesus o exorta para que cuide de suas ovelhas, pois, como pastor, Pedro deve não apascentar seu coração, mas o rebanho, sempre pelo amor de Jesus, sem dominar, “não tosquiar ou comer”, mas apascentar, amar da mesma forma que Cristo amou(Interpretação livre do trecho do Comentário do Evangelho de São João, presente no livro “O Evangelho de João na interpretação dos Padres da Igreja e Teólogos Medievais”).

Por fim, as palavras de Beda, o Venerável, faz-se novamente necessárias nesta reflexão, pois assim diz o grande teólogo:

Que sentido tem: “Tu me amas? Apascenta minhas ovelhas”. Significa: “Se me amas, não penses em apascentar-te a ti mesmo, mas sim as minhas ovelhas. Apascenta-as como minhas, não como tuas; procura nelas a minha glória e não a tua; a minha propriedade, e não a tua; os meus interesses, não os teus. Não sejas daqueles que nos tempos de perigo só amam a si mesmos e [fazem] tudo o que é consequência desse princípio que é a raiz de todo o mal”( O Evangelho de João na interpretação dos Padres da Igreja e Teólogos Medievais. pg. 321. ).

O desejo de Cristo é fazer-nos seus fieis seguidores, verdadeiros missionários capazes de ir ao encontro daqueles perdidos ou até mesmo abandonados, pois esta atitude demonstra a gratuidade do amor, reflete o mesmo amor de Cristo que derramou seu sangue para a salvação de todos. A vida em Cristo contribui para que nós possamos nos tornar cada vez mais missionários e cooperadores do pastoreio de Jesus, vivendo sempre em uma livre e fiel obediência à vontade de Cristo. Uma obediência cristã verdadeiramente autêntica, como diz a PDV (n. 28), se retamente motivada e vivida sem servilismos, ajuda a quem quer seguir os passos de Cristo e a exercitar com evangélica transparência, a autoridade que lhe é conferida. “Só quem sabe obedecer em Cristo, sabe como requerer, segundo o Evangelho, a obediência de outrem” (Pastoris Dabo Vobis n. 28.).

Na imagem de Pedro, vemos a nossa Igreja. Chamada a fazer uma experiência madura de amor ao seu Senhor e Salvador, recebe de Cristo mesmo o encargo de ir ao encontro das ovelhas e apascenta-las, ser um sinal de fé, de conforto, e não exercer a sua autoridade para dominar e conquistar para si. Somos todos missionários, chamados a ir ao encontro das ovelhas do rebanho de Cristo e mostrar o seu amor transformador, e, sobretudo, confortados de Deus, para que estas não se percam, não se desesperem e tenham uma vida digna em comunhão com Jesus Cristo.

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