São João Crisóstomo, o “boca de ouro”, foi o grande e zeloso bispo de Constantinopla. Exímio pregador, deixou uma vasta herança de escritos, pregações, comentários bíblicos, temas teológicos, entre outros. Soube fazer a arte da síntese entre fé e vida, no cuidado dos pobres e no cultivo de uma espiritualidade concreta e encarnada.
Seus escritos permanecem atuais e com grande frescor, sobretudo sua posição em relação ao culto e aos pobres. A homilia 50, sobre o Evangelho de São Mateus, talvez seja o seu escrito mais conhecido. Nessa belíssima homilia, o “boca de ouro” exorta a não descuidarmos do corpo dos pobres enquanto nos preocupamos em ornar o corpo de Cristo.
Após a reforma do Concílio Ecumênico Vaticano II, houve uma grande confusão em se tratando da liturgia. As leituras de ruptura trataram de avançar mais do que a letra do Concílio. Em não poucos lugares, assistimos a dessacralização, a queima dos objetos sagrados, o desleixo na organização da celebração, e, até mesmo, o esvaziamento da fé.
A história, pendular que é, tratou de gestar o saudosismo do rito precedente. Se por um lado tentou-se avançar mais do que o Concílio estabeleceu, por outro, tentou-se barrar qualquer progresso, sob acusação de apostasia da Verdadeira fé. Assim, hoje vemos uma tentativa de regressar ao tempo antes do Concílio, como se respostas prontas, que foram eficazes em outros tempos, pudessem responder e satisfazer às novas perguntas.
Por trás dessa “batalha dos missais”, há também uma questão eclesiológica, e o Papa Francisco soube ler muito bem isso na Carta Apostólica “Desiderio Desideravi” (cf. nº 31). Alguns desejam uma Igreja mais empenhada nas questões sociais, inclusive tomando partido, escolhendo lado. Outros pensam uma Igreja desconectada do mundo, onde importa apenas “salvar almas”, rezar, e estabelecer uma relação intimista com Deus, desconsiderando o caráter comunitário intrínseco da fé cristã.
Para esses males, o ensinamento de Crisóstomo pode ser uma grande luz: Olhos voltados para o céu e os pés firmes nesse chão. Superar as dicotomias que esvaziam o sentido da fé. Para o bispo de Constantinopla, era inadmissível uma liturgia esplendorosa, ricamente ornada, como cálices de ouro, com belos e refinados panos litúrgicos, se o corpo de Cristo padecia fome, sede, nudez, solidão no pobre.
Obviamente, o convite de São João Crisóstomo não é uma liturgia desleixada em nome do cuidado dos pobres. Francisco, no nº 22 da “Desiderio Desideravi” diz isso com muita propriedade, ao condenar o esteticismo exterior, não deseja a “superficialidade ignorante, banalidade descuidada e funcionalismo prático exasperante.”
Em tempos de combate entre opostos, devemos aprender a arte da síntese também na liturgia: que nosso zelo, que deve haver, não seja um puro esteticismo exterior, vazio de sentido; e que nossa “caridade operosa” não seja uma desculpa para o desleixo, ou mesmo a substituição da fé por ideologias. Antes, que nosso zelo alimente nossa caridade, nos fazendo preocupar primeiramente com o cuidado dos preferidos de Jesus, destinatários mais imediatos de sua missão, e o nosso cuidado com os preferidos do Reino nos impulsione para mais perto de Jesus, para celebrarmos sua vida, sua opção pelo projeto do Pai, no Santo Sacrifício da Missa e nos momentos de intimidade na oração.
Que o grande São João Crisóstomo seja nosso intercessor no seguimento concreto de Jesus, com os olhos voltados para o céu e com os pés fincados nesse chão, para que o Reino de Deus seja testemunhado aqui e plenificado no dia da Ressureição.