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O Advento e a esperança cristã: “O Espírito e a Esposa dizem: amém! Vem Senhor Jesus”

O Advento e a esperança cristã: “O Espírito e a Esposa dizem: amém! Vem Senhor Jesus”

Tales Eduardo Evangelista Elias

Quando pensamos no tempo, somos tomados por muitas inquietações: o que os próximos anos me reserva? O que vou conquistar amanhã? Quando chegará o definitivo encontro com Deus? Esse assunto incomodou filósofos, santos, doutores e continua incomodando homens e mulheres do nosso cotidiano. Aquela pertinente dúvida sobre o que nos espera interpela os corações humanos, causando incertezas e medos que muitas vezes nos roubam a paz. Possivelmente, para tentar acalentar as angústias humanas sobre o tempo presente e futuro, o autor do Eclesiastes nos lembra que “há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu” Ecle 3,1. Assim, inspirada por Deus, a Sagrada Escritura nos conforta ao lembrar que diante de todas as situações da vida, o tempo de Deus deve ser para nós um verdadeiro convite de esperança.

E é a palavra esperança que caracteriza o instante alegre que a Igreja vive no tempo do Advento. Tempo dedicado a expectativa, a espera ou, em outras palavras, a chegada. Nesse sentido, para celebrar uma festa é necessário um tempo de preparação, e é essa atitude que caracteriza o Advento, que nos apresenta dois aspectos a serem refletidos nos quatro domingos que compõem este tempo: a chegada de Jesus no natal e a vinda gloriosa do Cristo na Parusia.

Nos prefácios sugeridos para os domingos do advento, podemos observar essas realidades no corpo do texto: “revestido de sua glória, ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos que hoje, vigilantes, esperamos.”; e também, “vós preferistes ocultar o dia e a hora em que Cristo, vosso Filho, Senhor e juiz da história, aparecerá nas nuvens do céu, revestido de poder e majestade. Naquele tremendo e glorioso dia, passará o mundo presente e surgirá novo céu e nova terra.” Tudo isso nos apresenta uma realidade escatológica que muitas vezes se esvai dos nossos olhos neste tempo, mas que nos ajuda a trazer para a nossa espiritualidade uma maior atenção a vigilância e também a esperança cristã.

Bento XVI, em sua obra Escatologia, nos explica que, na Igreja primitiva, o desejo da vinda de Cristo se expressava com o termo maranatha, que vem do hebraico e comunica o desejo da Parusia, em que se concentra uma esperança operante e jubilosa da chegada de Cristo, reforçada na Didache com a prece de que a graça de Deus venha e este mundo passe. Mesmo que o tempo do Advento nos apresente a imagem do Deus menino como principal mensagem, ele nos permite ir além para refletir sobre a vinda escatológica de Cristo a partir de um símbolo muito caro a fé cristã: o símbolo esponsal. O Cristo, que na noite de natal veio ao mundo para dar vida nova a toda criatura, um dia voltará para desposar a Igreja, sua esposa preparada desde os séculos dos séculos. Esse mistério do esponsalício de Cristo é um símbolo que se apresenta de maneira clara no livro do Apocalipse e que reverbera com grande profundidade no tema da vigilância e da espera do Advento.

As núpcias do Cordeiro, portanto, é um cenário escatológico por si mesmo. A comunhão futura e total das núpcias é uma realidade que não pode ser lida sem o Cristo, que nasceu, está no meio de nós e virá de forma gloriosa, fortalecendo, assim, a ideia daquela união no “já e ainda não”. Uma importante passagem que nos impele a entender a situação da Esposa na perspectiva escatológica é o clamor: “O Espírito e a Esposa dizem: Vem! Que aquele que ouve diga também: vem! Que o sedento venha, e quem o deseja, receba gratuitamente água da vida” Ap 22, 17. Vemos nessa perícope, de maneira explícita, o desejo unitivo da Esposa que se plenifica com a vinda do Esposo. Essa passagem expressa que é somente através do Espírito que este desejo é inspirado e que corresponde a toda a mensagem do livro. João, em todo momento, pede que as igrejas ouçam o que o Espírito tem a dizer, mostrando que é o próprio Espírito Santo quem faz com que a Igreja clame pelo Esposo.

Podemos dizer, assim, com tais considerações, que este é o apogeu do esponsalício de Cristo e sua amada: a comunhão total. Essa comunhão é o que dá sentido à toda reflexão por trás do símbolo esponsal. A partir disso, é dever de todo batizado viver a vida justa em Cristo para que, como consequência, revista a Esposa com o linho puro das nossas obras (Cf. Ap 19,21).

A Igreja, sempre perita em humanidade, nunca deixou de refletir sobre as implicações teóricas da teologia no cotidiano dos homens e mulheres do nosso tempo, por isso, nos anos de amadurecimento da reflexão escatológica, podemos citar as contribuições do Vaticano II como um retorno às fontes da esperança cristã. De maneira especial, em 2024, ano em que se celebra os 60 anos da promulgação da Lumen Gentium, podemos ver com clareza as contribuições que este e outros documentos conciliares ajudaram e ajudam a Igreja a fazer um verdadeiro agiornamneto das reflexões teológicas, principalmente no que diz respeito a vida eclesial do povo de Deus.

“Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação” (LG 22), possibilitando compreender que a escatologia tem Cristo como centro e fundamento. Em outras palavras, poderíamos afirmar que o evento Cristo é escatológico desde a sua encarnação até sua páscoa. A primeira fase não deve ser vista como uma etapa para a redenção, mas ela mesmo como uma ação redentora; Cristo assume a humanidade para redimi-la, a salvação do gênero humano já começa quando o próprio Cristo a toma para si. Esse movimento é revelador em si mesmo, na medida que revela quem é Deus, mas também quem é o próprio homem.

A Lumen Gentium continua, no número 22, afirmando a índole cristocêntrica de sua escatologia ao estender o caráter da ressurreição a todos os homens, visto que a graça opera de maneira invisível naqueles que se deixam tocar e que, de igual modo, a vocação divina pela qual todo homem é convidado nos dá a possibilidade da associação ao grande Mistério Pascal que venceu a morte e nos deu a vida eterna, para que chamemos, pelo Espírito Santo, a presença do Pai.

Na Gaudim et Spes, no número 39, somos lembrados da condição escatológica de um novo céu e uma nova terra, assim como nos apresenta o capítulo 21 do livro do Apocalipse. O tema da renovação da Criação, tratado no início da Lumen Gentium, retoma agora sob a ótica da ressurreição: no Mistério Pascal tudo é recriado. Os números 48 e 49 da Gaudium et Spes falam sobre o matrimônio e o amor esponsal entre os noivos. Esse símbolo é muito caro à Igreja quando o relacionamos com o amor esponsal entre Deus e o seu povo no Antigo Testamento e entre Cristo e a Igreja no Novo. O amor esponsal de Cristo com sua esposa nos apresenta uma realidade escatológica carregada de significados: de maneira especial, no livro do Apocalipse, quando lemos sobre as núpcias do cordeiro (cf. Ap. 19) vemos uma imagem daquilo que será a realidade última da Igreja e vocação de todo homem: a comunhão com Deus.

As reflexões acerca da vitória escatológica das núpcias do Cordeiro não devem criar em nós um sentimento de espera passiva, pelo contrário, já deve ser um estímulo para viver as alegrias das bodas no agora, assim como nos impele as reflexões do Vaticano II. A esperança cristã é aquilo que mantém o homem ligado à sua vocação que é a comunhão com Deus. A preocupação com essa vocação, que de fato é escatológica, deve nos impulsionar a viver de forma a construir já aqui o reino que terá sua plenitude no fim dos tempos, ou seja, uma esperança que não nos desobriga do mundo, mas que já aqui vive de maneira reta a construir o reino de Deus.

A Igreja encerra as reflexões da Lumen Gentium com a Virgem Maria, demostrando, assim, que ela, como imagem da Igreja, é a prefiguração daquilo que todos vivenciarão na ressurreição futura. Ela é a imagem da esperança escatológica da Igreja, esperança essa que é fundamentada pela fé e pelos dogmas proclamados na história. Assim como Maria foi elevada aos céus em corpo e alma para a sua comunhão com Deus, também será a Igreja, Esposa Imaculada, elevada para a consumação de suas núpcias eternas. A figura de Maria como protótipo perfeito da Igreja muito nos fala no tempo do Advento. Maria é aquela que foi escolhida para ajudar no projeto salvífico. O mesmo Espírito que clama na Esposa Igreja pela vinda do Cristo é aquele que cobriu a Virgem com sua sombra para que o Verbo divino pudesse se encarnar.

A presença da Mãe de Deus na liturgia do Advento reforça ainda mais o forte apelo da mensagem de esperança para este tempo. Maria, assim como todo o povo judeu, esperava a vinda do messias, aquele que iria reconduzir o povo a plena libertação. Ela faz parte daquela esperança cristã que não decepciona nem ilude, mas que faz brotar no coração a certeza da presença do Senhor em nossa vida. Às vésperas da abertura do Jubileu de 2025, que terá como tema Peregrinos da Esperança, somos convidados a olhar com maior carinho e atenção para este tempo que nos provoca uma constante vigilância. O Papa Francisco, na Spes non confundit, bula de proclamação do jubileu, diz que “a esperança encontra na Mãe de Deus sua testemunha mais elevada” pois em Maria a esperança não é puro otimismo, mas dom de Deus para “esperançar” a realidade na confiança e no sim.

Maria cumpre perfeitamente esse lugar devido a sua relação com Cristo. Ela é aquela que ouve a Palavra do Senhor e a põe em prática (Mt 12,46); a serva fiel (Lc 1,38); a bem aventurada cuja as maravilhas de Deus foi realizada (Lc1,48); a mulher da Cruz (Jo, 19,25) e a amada esposa do Espírito, que nela fez morada e manifestou a Igreja viva e missionária do pentecostes aos dias atuais (At 1-2). Dessa maneira, somos impelidos a olhar para Maria e aprender dela os atributos perfeitos da verdadeira Esposa: é só através de uma ousada imitação da Virgem que podemos nos configurar, enquanto Igreja, a desejada Esposa do Cordeiro.

Portanto, a maior decorrência da vivência do símbolo esponsal na vida da Igreja é ser como Maria na sua relação com a Trindade, relação tão íntima e pessoal que permite que o Espírito clame em nós e nos faça rezar: Amém, vem Senhor Jesus! (Ap 22,20) Desse modo, o clamor da vinda de Cristo seja para cada um de nós um impulso a nos tornar mensageiros da Esperança, pois Ele é a Esperança encarnada, que na noite de Natal veio ao nosso encontro e que um dia virá para completar a obra começada. Somos peregrinos de esperança nesse perene advento da Igreja que caminha rumo ao céu. Assim como a noiva do Cordeiro se preparou se revestindo de linho puro para adentrar ao banquete nupcial (cf. Ap 19), somos convidados a fazer do Advento o nosso tempo de preparação para o Esposo que vem. As núpcias do Cordeiro se realizarão para que possamos compreender o fruto mais íntimo do Advento: a nossa definitiva comunhão com Deus!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 

TABORDA, Francisco. Celebrar o dia do Senhor: subsídios litúrgicos: anos A,B,C/Francisco Taborda, Johan Konings. São Paulo: Paulus, 2020.

RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vida eterna.1ªed. São Paulo: Molokai, 2019. p.25.

RATZINGER, Joseph. op.cit. p.28.

EDITORES, Os. APRESENTAÇÃO. Perspectiva Teológica[S. l.], v. 56, n. 2, p. 331, 2024. Disponível em: https://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/5681. Acesso em: 16 set. 2024.

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Lumen Gentium. In Documentos do Concílio Vaticano II: constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 1966.

Autor: Tales Eduardo Evangelista Elias- Aluno do 4° da configuração.

 

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