/
/
Não extingais o Espírito

Não extingais o Espírito

Pe. Anderson Gurgel

“Não extingais o Espírito, não desprezeis as profecias. Discerni tudo e ficai com o que é bom.” (1Ts 5,19-22). Com essas palavras, o apóstolo dos gentios chama a atenção para a comunidade de Tessalônica acerca da premente necessidade que havia, já naquela época, de uma abertura real e efetiva aos dons, carismas e ministérios que Deus, o Espírito Santo, quisesse dar à Igreja, com vistas a sua edificação. Isso, entretanto, causa certo espanto quando Paulo assevera, com o tom próprio de Apóstolo, que a comunidade não extinguisse, matasse, o Espírito, tentação que infelizmente ainda grassa em nossos cenários eclesiais.

Karl Rahner, ainda antes do Concílio Vaticano II, a partir de tal assertiva, assinalou categoricamente em uma conferência, chamando a atenção para o perigo que nós cristãos corremos de, com nossa demasiada institucionalização, declinarmos da realidade e necessidade carismática que a Igreja tem em sua própria essência. Isso porque a dimensão pneumatológica da Igreja, ainda que em sua realidade mais intrínseca nunca se perdera, pois o Espírito é junto de Cristo um seu instituidor e não mero vigário, embora tenha sido, em certa medida, esquecida no decorrer de sua história por diversos motivos.

Ao mesmo tempo, a tensão existente entre o carisma e o poder esteve sempre às vistas da tessitura do cenário eclesial, desde os primórdios do Cristianismo. E, por vezes, diante da dificuldade existente em se reconciliarem, vivemos tempos de anátemas, declarações unilaterais, cismas, heresias e tantas outras realidades que só criaram divisão e comprometeram a unidade.

O Concílio Vaticano II, grande evento do último século, reverteu consideravelmente essa realidade, por um lado, quando concebeu a Igreja como povo de Deus, organizado ministerialmente através de dons hierárquicos e carismáticos em vistas da edificação deste mesmo povo. Todavia, por outro, os sonhos de renovações fecundas propostas pelos padres conciliares deram azo a uma série de reações de recepção do Concílio que geraram, também elas, desvios.

Que fique claro que as reformas são sim necessárias para que a Igreja continue na história sem perder sua relevância e nem trair sua finalidade. Yves Congar é quem usa tal ideia, quando acena para os movimentos espirituais do início do milênio passado, afirmando justamente, por exemplo, que Pedro Valdo, líder dos Valdenses, não fora um São Domingos ou um São Francisco porque acreditou ser impossível salvar a Igreja por meio da Igreja. Para o teólogo francês, todo dinamismo reformador porta, ao mesmo tempo, um germe de desvio ou cisma, bem como de renovação autêntica e fecunda. Isso quer dizer que a Igreja sempre trará em si elementos contrastantes, algo que faz parte de seu dinamismo, de sua vida, de seu desenvolvimento. O problema é quando tais elementos contrastantes, dinâmicos e reativos se transformam em elementos contraditórios, se isolando egoisticamente e colocando a si próprios como princípios autônomos, sem relação com os outros e com a Tradição, caindo, então, na heresia e rompendo a unidade com o todo.

Obviamente, em todo esse processo, a Igreja, porque é viva, reagirá se defendendo através da condenação dos erros e declaração solene da doutrina que corre risco de desvio. Esses dois movimentos unilaterais (o herético e o da teologia desenvolvida reativamente), segundo Congar, não resolvem o problema. Se um põe em risco a unidade com o todo e declina de uma reforma na Igreja e por meio dela, o outro, condenando o erro, põe em risco também aquilo de verdadeiro e válido que existe na percepção daquele unilateralismo errado. A condenação do excesso mata o germe que poderia fecundar uma genuína e necessária renovação.

É a constante tentação de querer controlar e classificar o Espírito e sua ação. Nada mais estéril diante daquele que é livre. “Onde está o Espírito do Senhor, aí há a liberdade.” (2Cor 3,17): uma característica importante do Espírito Santo é a liberdade, que, no diálogo de Jesus com Nicodemos narrado por João, ganha uma tônica realista e desconcertante: Ele sopra onde quer, e mesmo que ouvindo seu ruído, não sabemos de onde vem nem para onde vai (Jo 3,8).

Diante disso, torna-se mais que urgente a consideração da Igreja a partir de sua dinâmica pneumática, na qual o carisma e a hierarquia caminham juntos, pois é na diversidade que o Espírito realiza a unidade. Isso, entretanto, jamais poderá ser realizado sem a necessária prática do discernimento, que, além de ser um carisma espiritual, é o lugar onde se compreende a vontade de Deus revelada e tornada concreta na Igreja, que é seu povo. Os paradigmas para essa compreensão são, primeiro, a unidade, pois o Espírito que gera a comunhão trinitária também gerará na Igreja; segundo, a caridade, pois como bem dizia São Paulo, o amor tem primazia diante de todos os dons, carismas e virtudes.

Que tal realidade incite todos os cristãos que sonham com reformas, que têm carismas, e também aqueles que são responsáveis pelo discernimento institucional, que coloquem o amor como a lei suprema de tudo. Só assim o Espírito, que é Amor, fecundará a Igreja e tornará possível de unidade aquilo que aparentemente parece ser inconciliável. É o agir do Espírito de reconciliação e paz, dado pelo Ressuscitado na tarde da Páscoa, que continua nos dando acesso ao Pai em um único Espírito (Ef 3,18) na Igreja, por meio de Cristo, aguardando sua vinda definitiva: “O Espírito e a Esposa dizem: ‘Vem!’”(Ap 22,17). Marana’tha.

Compartilhar: