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Conversão e Ecologia Integral: caminho de fé ou discurso ideológico?

Conversão e Ecologia Integral: caminho de fé ou discurso ideológico?

Por Yuri Alex:

Anualmente, a Igreja no Brasil, por meio da CNBB, propõe, especialmente no período quaresmal, uma reflexão que parece ultrapassar os limites daquilo que em toda quaresma refletimos, a saber, jejum, penitência e esmola, pontos norteadores dos quarenta dias de preparação para a Páscoa. Intitulada “Campanha da Fraternidade” (CF), a iniciativa existe desde meados da década de 60, com temas diversos que dialogam com as problemáticas sociais enfrentadas em cada contexto. Todavia, o que se observa, pelo menos nos últimos anos, é a instauração de uma verdadeira desarmonia entre os católicos que “apoiam” e que “não apoiam” a CF, gerando o contrário da proposta de fraternidade querida pela Igreja.

Neste ano de 2025, o tema proposto para reflexão foi “Fraternidade e Ecologia Integral”, com o lema “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Observando os últimos acontecimentos climáticos ao redor do mundo e a crescente exploração, por vezes desenfreada, dos recursos naturais do planeta, não há como negar que discutir um tema como esse é de suma importância em nossos dias, pois diz respeito à realidade experimentada, direta ou indiretamente, por cada um de nós. Todavia, sobretudo para o grupo dos que “não apoiam” a CF, o grande problema parece estar em discutir Ecologia em pleno tempo quaresmal, pois a conclusão óbvia é que refletir sobre o cuidado da natureza, sobre o uso indevido de seus recursos, sobre ações concretas de mudanças que possam ser assumidas no dia a dia, entre outros, em nada colabora com o espírito penitencial de conversão cultivado nesse tempo. Mas será mesmo que Ecologia Integral nada tem a ver com o convite à conversão feito por Cristo?

É bem verdade que Cristo Jesus, através do mistério da encarnação, entregou-se totalmente, assumindo nossa humanidade em tudo, exceto no pecado (cf. Hb 4,15). Pela sua paixão, morte e ressurreição, mistério profundo que ocupa o centro de nossa fé, fomos libertados da morte do pecado de uma vez por todas. E essa libertação, conforme nos atesta São Paulo, alcançou a todos, sem distinção, pois “Ele morreu por todos, a fim de que os que vivem já não vivam para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressurgiu (2Cor 5,14s). Assim, a partir d’Ele, a vida eterna se tornou possível a nós, graças ao dom da Salvação oferecido pela sua morte e ressurreição. Não à toa, a teologia da Igreja reúne inúmeras obras em diversos autores que se desdobraram para clarear e realçar toda a novidade advinda com o evento Cristo.

Nesse sentido, nós, criados por amor e bondade de Deus, feitos filhos a partir de seu Filho (cf. 1Jo 5,1), compondo o grande quadro de sua criação, somos convidados a reconhecer a beleza e a bondade desse Deus-Amor. Já no Antigo Testamento, no belíssimo cântico de Daniel, colocado nos lábios da Igreja na oração das Laudes de todos os domingos do saltério, contemplamos esse convite de louvor: “obras do Senhor, bendizei ao Senhor, louvai-o e exaltai-o pelos séculos sem fim!” (Dn 3,57). A ordem maravilhosa em que o mundo está alicerçado, o ciclo da vida, completo e complexo, que acessamos a partir de nós e observamos em cada ser criado, bem como a especificidade presente em cada detalhe de tudo o que nos circunda, refletem a grandeza do Criador e, por isso, exprimem o louvor à sua bondade e em reconhecimento de seu poder. Na sensibilidade do grande Padre Celso de Carvalho, vê-se bem ilustrada a conexão desse vínculo: “dez minutos de ternura, olhando uma simples flor… se é tão linda a criatura, que pensar do Criador?!”

Assim, o mundo criado também participa daquilo que ao homem é destinado. É por isso, valendo-se novamente da teologia bíblica de tradição paulina, que a carta aos Romanos afirma que “os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós. Pois a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus. Sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente” (Rm 8,18.25). Ela (a criação) participa também da remissão e salvação oferecidas por Cristo em sua morte e ressurreição, não de modo individual, como compreendemos para cada ser humano, mas de modo universal, reconciliando “por ele e para ele todos os seres, os da terra e os do céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Cl 1,20).

Cuidar da criação confiada ao ser humano, como relatado no Gênesis (cf. Gn 1,26), é, então, comprometer-se com uma missão dada pelo próprio Senhor e colaborar com a ordem e harmonia do que foi projetado para todo o mundo criado. Urge, pois, transformar a visão teológica que se tem da criação de modo a enxergá-la não separada do ser humano e fora da graça salvadora de Deus, mas de maneira verdadeiramente integral, associada ao homem que compõe a criação. Uma visão fragmentada ou dissociada dessa conjuntura corre o risco de induzir, com base em uma visão equivocada, a uma justificativa aparentemente plausível e teológica que colabore, mesmo que indiretamente, para a frenética exploração e descaso com o mundo. É o caso, por exemplo, de uma escatologia muito presente em alguns grupos, pautada na má interpretação do livro do Apocalipse, que compreende que a segunda vinda de Jesus acarretará a destruição do mundo em que vivemos: toda a ordem será substituída pelo verdadeiro caos, onde estarão aqueles injustos que não viveram conforme o desejado por Deus; os justos, porém, serão arrebatados à glória celeste e viverão na paz e harmonia de um lugar que nada tem a ver com esse mundo.

Desse modo, é possível, agora, encontrar caminhos que respondam à pergunta levantada no início desta reflexão: pensar em Ecologia Integral, confrontando, assim, a conversão pessoal com todos os problemas presentes no mundo, significa acolher, de verdade, o convite de Cristo à conversão, especialmente neste tempo favorável da quaresma. Nós, uma vez inseridos no mundo, somos responsáveis e vocacionados à cocriação à medida que cuidamos desse grande bem essencial à existência humana. Colocar-se à margem e, até mesmo, ignorar que certos caminhos adotados pelo ser humano colaboram para com a destruição do planeta significa dizer não ao chamado divino de cuidar do que nos foi confiado. Foi por meio desse mundo que o próprio Senhor se tornou homem, assumindo nossa matéria, e é ainda por meio dele que Deus continua a comunicar-se, entregando-se nos sacramentos e nos possibilitando a graça de uma vida segundo seu amor.

Aproxima-se a semana maior de nossa fé, pela qual poderemos presentificar esse grande mistério seguindo os passos de Jesus no caminho da dor, que culmina na ressurreição. Especialmente na Sexta-feira Santa, poderemos, nessa dinâmica de mudança de mentalidade acerca da criação, contemplar sua participação no momento da morte de Jesus na cruz: “nisso, o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo, a terra tremeu e as rochas se fenderam” (Mt 27, 51). A natureza sente a morte do Justo sofredor, pendido naquele madeiro, na árvore bendita que, pelos cravos, se uniu ao Senhor. A terra, como um grande altar, acolhe o sangue e a água que jorram do lado aberto de Cristo, e que a irrigam, vindos do alto. Será ainda em seu seio que o Cristo adormecerá, no silencioso Sábado, para então irromper glorioso e vitorioso sobre a morte. Que saibamos, como criaturas, estar unidos ao Bom Jesus, reconhecendo nossa pequenez e nos doando totalmente a esse amor.

Autor: Yuri Alex Cordeiro- 3° ano da configuração

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