“Eu sou a Jesus, a quem tu persegues” (At 9,5)
Como ainda nos impressiona este homem, Paulo de Tarso, que fora derrubado e vencido pela Luz, mas feliz por ter perdido, por ter sido derrotado. Sem dúvida alguma Paulo é um dos personagens mais vivos e completos do Novo Testamento, sendo possível reconhecer nele aquilo que nos dilacera. Ao lermos as suas palavras, somos feridos como que com uma espada de dois gumes que só fere aqueles que são capazes de arriscar tudo.
Caminhava como que um leão em fúria há oito dias na estrada de Jerusalém a Damasco, possuído por uma fúria, um fanático religioso por acreditar que estava na posse da verdade, já estava com o coração tomado pelo azedume e pela violência. Desce do céu uma luz que o envolveu e caindo por terra ouve uma voz que lhe diz: “Saul, Saul, por que me persegues? Ele perguntou: Quem és, Senhor? E a resposta: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Mas levanta-te, entra na cidade, e ter dirão o que deves fazer” (At 9,4).
A Festa litúrgica da conversão de São Paulo é para nós um chamado à centralidade de Jesus na vida de toda a Igreja, ajudando-nos “a compreender o valor absolutamente fundante e insubstituível da fé” (BENTO XVI,2007,p.115). A sua conversão é o resultado de um encontro com uma Pessoa que dá um novo rumo à sua vida, ao ponto de compreender que, ainda que se tenha vivido na Lei de Deus, a sua observância o levara ao fanatismo, mas à luz do ressuscitado “compreendeu que com isso tinha procurado edificar-se em si mesmo, à sua própria justiça, e que com toda essa justiça tinha vivido para si mesmo. Compreendeu que era absolutamente necessária uma nova orientação da sua vida” (BENTO XVI,2007,p.116), manifestando assim em suas palavras, “e a vida que agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e a Si mesmo Se entregou por mim” (Gl 2,20).
São Paulo é imagem de quem vive de Cristo e com Cristo, de quem entrega tudo, não mais construindo a partir de suas verdades, ideias e projetos, mas a partir da orientação da cruz, pois, “quanto a mim, porém, de nada me quero gloriar, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6,14).
Os Atos dos Apóstolos e as Cartas de Paulo convergem sob um ponto fundamental: o Ressuscitado falou a Paulo, o fez verdadeiro Apóstolo e testemunha da ressureição, com a missão de anunciar o Evangelho aos pagãos. É imprescindível ressaltar que, ainda que Paulo tenha tido uma relação imediata com o Senhor, e o próprio Senhor o tenha feito Apóstolo e anunciar do Evangelho, isso não o priva de estar em comunhão com a Igreja já presente em seu meio, mas deve receber o batismo, deve viver em comunhão com os outros apóstolos. Somente na vivência da Igreja com seus apóstolos, é que se pode viver a verdade do Evangelho, que se pode ser um verdadeiro apóstolo, e o mesmo apóstolo dos gentios reafirma que há só um anúncio do Ressuscitado, porque Cristo é um só.
Portanto, a conversão de Paulo não é tão somente uma mudança psicológica, intelectual ou moral, como que uma maturação do seu ‘eu’, mas foi processo de morte e ressureição, ou seja, para si estava morto e para Cristo, vivo. Como compreender a vida de Paulo senão pelo forte encontro com Cristo, sendo renovado por Aquele que o tinha iluminado e falado com ele. Sua conversão foge dos parâmetros exteriores, mas fora algo tão profundo que o que antes para ele era digno de honrarias tornou-se ‘lixo’, não havendo mais ‘lucro’, mas perda, e que alegria em perder, pois agora o que conta é a vida em Cristo; “mas o que era para mim lucro tive-o como perda, por amor de Cristo. Mas ainda: tudo considero perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por ele perdi tudo e tudo tenho como esterco, para ganhar a Cristo e ser achado nele” (Fl 3, 7-9).