O CORAÇÃO FALA AO CORAÇÃO
Num mundo de muitas palavras, imagens e sentimentos, a comunicação vai se tornando cada vez mais difícil. Falar ao outro requer muito mais que palavras. Quando dizemos que “o coração fala ao coração”, estamos falando de empatia, compaixão e sensibilidade. É quando uma pessoa consegue sentir o que a outra sente, mesmo sem explicações. É o olhar que conforta, o abraço que consola, a presença que acalma. São momentos em que emoções verdadeiras tocam diretamente a alma do outro.
Em muitas tradições espirituais, acredita-se que o coração é o centro das emoções mais puras e elevadas. Por isso, quando alguém age ou fala com o coração, suas palavras têm um poder especial — elas tocam, transformam, curam. “Ainda que se fale abundantemente, é o coração que fala ao coração; a língua só alcança os ouvidos”, assim escrevia São Francisco de Sales ao Arcebispo de Bourges a propósito das pregações. Ou seja, só o amor é a linguagem que realmente fala ao irmão.
Em um mundo onde as aparências e os discursos vazios são comuns, lembrar que “o coração fala ao coração” é um convite à sinceridade, à escuta profunda e à conexão humana real. É reconhecer que o que vem do coração tem o poder de alcançar diretamente o coração do outro.
Na vida espiritual, essa expressão nos lembra que as experiências mais autênticas com Deus e com os irmãos não acontecem, necessariamente, por meio da razão ou do intelecto, mas através de uma comunicação silenciosa, íntima e amorosa entre corações. Quando o coração fala ao coração, há uma escuta mais profunda, uma entrega mais pura e uma abertura total à graça de Deus que conduz à comunhão com o irmão. Isso levou São Paulo a dizer que “se eu não tiver amor… eu não sou nada”. Sim, somente um coração preenchido pelo amor de Deus pode falar com amor ao irmão, ao seu coração.
Essa é a linguagem do Espírito: uma linguagem que não se aprende nos livros, mas na oração, no silêncio, na presença. É o Espírito Santo que ensina os corações a se comunicarem com verdade e compaixão. Ele traduz nossas dores e alegrias em algo compreensível para o outro, mesmo sem palavras. É por isso que, muitas vezes, sentimos uma paz inexplicável ao estar com alguém que partilha da mesma fé ou que vive profundamente conectado a Deus — porque os corações estão em comunhão.
Um grande exemplo de alguém que viveu esta experiência o encontramos na pessoa de São João Newman, que usava essa frase como lema: “Cor ad cor loquitur” — O coração fala ao coração. Para ele, a fé não era algo teórico ou apenas racional, mas uma experiência viva de amor que se transmite de alma para alma. O coração que está unido a Deus se torna canal da graça divina, tocando outros corações e despertando neles o desejo de buscar o sagrado.
No Antigo Testamento, Deus promete: “Dar-vos-ei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo” (Ez 36,26). Isso nos mostra que a renovação espiritual começa no coração, e é a partir dele que irradiamos amor, misericórdia e verdade ao mundo. O coração regenerado por Deus é capaz de amar, perdoar, compreender e de se comunicar com outros corações com uma profundidade que nenhuma palavra pode alcançar.
Portanto, dizer que “o coração fala ao coração” é reconhecer que a verdadeira comunicação — tanto com Deus quanto com o próximo — acontece num nível mais profundo que o da mente. É uma comunhão espiritual, uma linguagem do amor, uma troca silenciosa que transforma. É o coração tocando outro coração com a verdade de Deus.
Caros irmãos e irmãs, aproveitemos este mês dedicado à Palavra de Deus e busquemos compreender, a partir dela, o que o Pai está nos dizendo. Pela Escritura Sagrada, é o próprio Deus que fala ao nosso coração a partir do seu Coração. Permitamos, então, ser impelidos a viver e propagar esse amor que verdadeiramente transforma nossas vidas.
Pe. Darlan Lima
Diretor espiritual da Guarda de Honra
CORAÇÃO DE JESUS: ESPERANÇA EM TEMPOS DE FRAGMENTAÇÃO
Por: Douglas Roberto Lopes dos Santos
Desde os seus primórdios, o ser humano busca se construir e desvelar o mistério que permeia a sua existência: quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Ao longo da história da filosofia, diversas foram as formas de autorretrato. Inicialmente, na antiguidade, era retratado como um homem racional, capaz de produzir cultura. No período medieval, o autorretrato se dá a partir da encarnação de Cristo, em que o homem se reconhece como criatura de Deus. Já a modernidade propõe um retrato totalmente inédito, apresentando um duplo modelo do homem, especificamente um dualismo entre o corpo e a alma, em que o homem se coloca como o centro da discussão. Diferente dos períodos anteriores, ele não se vê mais como uma comunidade, mas como um indivíduo.
Por fim, chegamos ao autorretrato contemporâneo. Esse é o que exige de nós atenção redobrada e um cuidado meticuloso, afinal, é o nosso tempo. O homem contemporâneo é um homem em que o autorretrato se equivale como ser fragmentado em nossa cultura atual. Para alguns, o homem já não parece mais ser humano. Esta frase soa estranha e contraditória: “o homem não humano”, mas pode ser explicada à luz da encíclica Dilexit Nos.
Contudo, já dizia Vinicius de Moraes, em sua canção Samba da benção: “A vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros pela vida”. Bem sabemos que o encontro com Deus é uma verdade inalienável, por isso, somos chamados a caminhar frequentemente rumo a Ele. No entanto, sabemos que possuímos diversas formas de caminhar, inclusive de forma perigosa, como andarilhos, sem rumo ou de qualquer maneira. Dessa forma, o encontro é uma experiência única, individual e singular. Por isso, o encontro com Cristo, como nos lembra uma frase atribuída a São João Paulo II, “acontece no dia a dia, na nossa rotina, no tempo e no lugar em que vivemos”.
Nesse sentido, a devoção ao Coração de Jesus, meio de encontrarmos e aproximarmos do amor de Cristo, esteve presente em diversas ocasiões da espiritualidade cristã desde os primeiros séculos da Igreja até os tempos atuais. Contudo, destaca-se sua importância recente, especificamente como resposta ao crescimento de diversas formas de espiritualidade que esqueciam e ainda esquecem da misericórdia do Senhor, ao mesmo tempo em que também lida com a crescente procura do homem contemporâneo de se construir sem Deus.
A devoção ao Coração de Jesus nos impele a meditarmos sobre o amor infinito de Deus, revelado em Jesus Cristo, nosso Senhor. Essa relação com o amor de Jesus leva-nos a contemplar sua inesgotável misericórdia. Durante o nosso cotidiano, somos convidados a ir ao encontro desse Cristo que deseja, incansavelmente, estar conosco, como nos recorda o evangelista “Eis que estou convosco todos os dias, até os fins dos tempos” (Mt 28, 20).
A encíclica Dilexit Nos, do saudoso papa Francisco, ajuda-nos a melhor refletir sobre o amor incondicional de Deus por cada um de nós. Assim, no parágrafo 77, o autor recorda que a nossa relação com o Coração de Cristo acontece sob o impulso do Espírito, que nos orienta mais ainda a um encontro em que desvelamos, pelo amor de Cristo, a misericórdia do Pai.
No parágrafo 87, o Papa adverte sobre um constante avanço da secularização que promove uma multiplicação de “várias formas de religiosidade sem referência a uma relação pessoal com um Deus de amor, que são novas manifestações de uma espiritualidade sem carne” (FRANCISCO, 2024, p. 47). Além disso, vivemos em um contexto social marcado por indivíduos que parecem ser incapazes de interiorizar e silenciar, mas que é por outro lado sinalizado por um cenário individualista, egoísta, autorreferencial, repleto de superficialidades e de pressa, ou melhor, de inquietação.
Essa realidade, embora pareça distante, é também experenciada em nossas comunidades paroquiais. Quantas vezes optamos por viver a cultura do “evento” e da “exibição” na paróquia em que fazemos parte? Servimos para sermos vistos, ou ainda, para que obtenhamos status. Muitas vezes, buscamos mudanças desprovidas do Evangelho, reflexões secularizadas e posturas egocêntricas. O resultado disso é, aparentemente, “um cristianismo que esqueceu a ternura da fé, a alegria do serviço e o fervor da missão pessoa-a-pessoa” (FRANCISCO, 2014, p. 47).
Ademais, o coração como um símbolo de interioridade é muitas vezes ignorado e sufocado. A vida emocional é instrumentalizada, quer dizer, vista somente por um viés de aparência e máscara. Isso porque, conforme refletimos, sem um coração bem formado, perderemos a capacidade de amar profundamente e viveremos de um certo “apateísmo” (indiferença com Deus). Por isso, é preciso reencontrarmos o valor do Coração de Jesus em meio a tamanhas fragmentações e inquietudes do nosso tempo.
Diante disso, motivados pela Dilexit Nos, surge-nos uma chama de esperança para esse autorretrato fragmentado do homem contemporâneo: o amor de Deus, que salva o ser humano dessa instrumentalização excessiva. Assim, a devoção ao Coração de Jesus quer ser uma experiência que nos ajude a redescobrir o que é essencial para a nossa vida, pois nos conduz à abertura ao mistério e a um encontro íntimo com o verdadeiro amor.
Que à luz dessa reflexão, sejamos capazes de reencontrar o valor do Coração de Jesus, no qual é possível retornar à síntese do evangelho: a misericórdia, essência do amor divino revelado em Jesus Cristo. Essa misericórdia que é capaz de curar essas “doenças” atuais do individualismo e autorreferencialidade, que, se não enfrentadas, podem nos aprisionar a ponto de nem sequer desejarmos a cura. Portanto, depositemos em Cristo e em sua infinita misericórdia a nossa confiança, pois Ele é a nossa esperança, e esta “não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5).
PEREGRINAR NA ESPERANÇA
Estamos vivenciando neste ano o jubileu dos 2025 anos da encarnação de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, com o tema “Peregrinos de esperança”. Mas o que significa ser peregrino de esperança?
Deveras, somos todos peregrinos, porque estamos em marcha rumo à pátria definitiva, o céu. E ser peregrino é justamente estar em caminhada, reconhecendo que esta terra que pisamos não é nosso fim, muito pelo contrário, ela nos abre a possibilidade de adentrar em
um terreno muito mais amplo e cheio de delícias. A história do povo de Israel, que se une à nossa, é um grande exemplo do que é ser
peregrino. Abraão saiu da terra de Ur dos Caldeus e foi habitar a terra de Canaã; os hebreus, quando escravos no Egito, partiram em direção à terra que mana leite e mel; Jesus caminhou por toda parte fazendo o bem e anunciando o Reino dos Céus, chamando discípulos que depois continuaram sua missão de anunciar o Reino até que chegue à consumação dos tempos. Nesses breves exemplos, vemos que nossa história é um constante movimento, mas sempre rumo a uma meta muito bem definida.
E é justamente por termos uma meta que podemos nos dizer peregrinos. Não estamos apenas vagueando, sem saber onde iremos chegar. Temos uma meta, o céu. E porque temos uma meta,
podemos nos dizer “peregrinos de esperança”, e a esperança não decepciona (cf. Rm 5,5). E ela não nos decepciona, pois é, em última análise, o próprio Senhor Jesus Cristo. Por isso vale a pena peregrinar, pois sabemos que alcançaremos nosso Deus. Sem essa perspectiva, toda a nossa existência perde o sentido.
Jesus Cristo sempre caminha à nossa frente, nos antecede em tudo, Ele que é o primogênito de toda criatura (cf. Cl 1,15). Diante disso, podemos peregrinar confiantes na certeza da vitória, pois Cristo não nos deixa sós, está sempre a nos conduzir e guiar nossos passos, iluminando nosso caminho e nos ajudando a levantar quando caímos. Tendo um companheiro de peregrinação tão fiel quanto Nosso Senhor, não corremos o risco de nos perder pelas vielas da vida, pois Ele é o Caminho que nos conduz ao Pai. E, porque somos seguidores do Caminho, nos enchemos ainda mais de esperança, pois sabemos onde vamos chegar, desde que confiemos e nos disponhamos a segui-lo fielmente.
Portanto, devemos nos orgulhar de dizer que somos peregrinos, pois não caminhamos sem direção, não vivemos de surpresas e imprevistos. Temos um Deus que nos chama a participar de sua vida no banquete eterno do Reino (Mt 22,1-14), e não apenas nos convida, como também nos guia e nos ensina o endereço de sua festa. Por isso, nos alegremos pela certeza de um Deus tão próximo, e que isso seja nosso incentivo para sempre peregrinar em direção a Ele com os olhos fixos em Jesus (cf. Hb 12,2).
Evanilton Santos Gonçalves
OSSOS RESSEQUIDO
Das sombras ávidas de um penoso dia,
Incompreensível, custoso caminhar
O desespero, a angústia faz abrigo
Espalham pedras, aguardam o tropeçar
Os olhos turvos, solidão amarga e imposta
Ombros caídos, fardos a oprimir
Lembro tua voz: “sou eu quem dou descanso;
Suave é o julgo que pouso sobre ti
Voltai para mim, meu coração transborda
Sou manso e humilde, a mim vinde, aprendei
Contigo eu ando, em nada te abandono
Sou teu amigo, o amor é minha lei”
E de repente as dores ganham vida,
O que era seco, morto, floresceu
Encontro amigo, abrigo, esperança,
Proximidade de um Deus que me escolheu.
O sofrimento, outrora que pesava,
Agora o vejo, sem força e sem poder
Bastou o olhar do Cristo – Eis o novo!
Bondoso amigo, me fazes renascer.
Yuri Cordeiro
“Orai sem cessar”: uma súplica universal
Escrevendo um dia, Santa Margarida Maria ao Pe. Croisset, dizia-lhe: “A existência de uma Associação do Sagrado Coração, onde os associados participem mutuamente de seus bens espirituais, agradaria muitíssimo o Divino Coração. ”A Hora de Presença não é a única que corresponde a tal desejo, mas o realiza particularmente pela súplica perpétua organizada entre seus membros. Por esta prática, as diversas correntes da Obra se sucedem de hora em hora no Sacrário, não só para adorar e orar em seu próprio nome e em nome de todos os membros da Associação, mas também para presentear sucessivamente a Deus todos os interesses da Igreja e da sociedade, divididos entre as doze horas do quadrante, implorando, assim, por Jesus Cristo e em Jesus Cristo, as graças e os socorros necessários à grande família humana.