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Fratelli Tutti: Sobre a Fraternidade e a Amizade Social

Fratelli Tutti: Sobre a Fraternidade e a Amizade Social

“[…] existem simplesmente dois tipos de pessoas: aquelas que cuidam do sofrimento e aquelas que passam ao largo; aquelas que se debruçam sobre o caído e o reconhecem necessitado de ajuda e aquelas que olham distraídas e aceleram o passo” (FT 70).

A carta encíclica de Francisco sobre a amizade e a fraternidade social é um convite à toda humanidade a dar à vida sabor de Evangelho. Francisco convida-nos a abrir a janela a partir da fraternidade e dialogar a partir da figura do poliedro; chamando-nos a valorizar o outro e as suas perspectivas.

Fratelli Tutti quer nos ajudar a ler o momento atual, que segundo Francisco, são tempos sóbrios em que há uma perda de sentido social e grande fechamento em grupos e guetos. Perda da consciência histórica. Está posta uma sociedade que não acolhe a todos, ao contrário preza pela lógica tribal em que todos são iguais, mas em que há alguns que são mais iguais que outros.

A pandemia é um espelho das mazelas humanas. A lógica do salve-se quem puder, faz nascer a lógica do todos contra todos. Diante desse cenário, Francisco propõe a fraternidade e a amizade social, haja visto ninguém se salvar sozinho. Sobre o alicerce bíblico e uma antropologia samaritana reflete que a fraternidade não é fruto de automatismo, ou de sangue, mas que a fraternidade é uma escolha ética, é uma construção moral. Assim, o meu próximo é aquele do qual me faço presente.

O amor deve ser a estrutura vital do ser e das escolhas, o amor abre-nos à universalidade. A liberdade é um direito e um dever de todo homem, pois é ela que tira do abstrato a igualdade e a liberdade. A vida humana é o primeiro valor, se a vida humana é o primeiro valor, devemos levar em conta que a propriedade não tem valor absoluto, mas possui uma função social.

É preciso, portanto, assumir novas perspectivas e não desviar o olhar das grandes migrações humanas em virtude da pobreza e da fome. Assim, nos convida a aprofundar o conceito de cidadania para que o mesmo não se torne discriminatório. Interpela-nos a um intercambio, onde todos podem contribuir, de modo, a reaprendermos a conjugar o local com o global e vice-versa, para assim fugirmos dos fixismos e visões reducionistas.

Mas para isso, enfatiza que precisamos formar agentes políticos que compreendam a política como serviço ao bem comum, que não se reduz à soma de bens individuais. Nessa perspectiva, critica o populismo com medidas simplistas e critica também os neoliberais que se pautam pelo mercado. E faz um louvor à política que é um instrumento de formação da pessoa humana e uma forma de caridade.

O capítulo VI é o mais filosófico, e nele Francisco explora dois conceitos: o diálogo e a amizade social para ver e escutar melhor. Argumenta que a chave do mundo é dialógica, assim o diálogo é imprescindível para cultivar a cultura do encontro. Na nossa sociedade há muitos desencontros e para mudar essa situação é preciso levar em conta que ninguém é inútil. A paz é um trabalho artesanal cuidadoso e demorado e para fazê-lo emergir é preciso um novo pacto social que depende de cada um de nós. Mas para isso, enseja que recuperemos a gentileza; “com licença, desculpe” recuperemos a capacidade de pedir e dar o perdão, de nos reconciliarmos.

De um modo muito lúcido, Francisco compreende que o perdão e a reconciliação não estão na linha do esquecimento, mas do não perpetuar a linha da vingança. Convida-nos a uma teologia da gentileza – obrigado, gratidão – afinal a nossa vida é obra de outros.

Ao final da Encíclica, Francisco deixa claro que esse discurso não é para fora ou para os de fora, mas é para dentro. E diz que a consciência de que somos filhos deve levar-nos à consciência de que somos irmãos. A religião é para a vida, por isso deve promover a fraternidade e a liberdade religiosa. E o ponto de partida é o olhar de Deus, que ama a todos de igual modo. Convida-nos, portanto, a uma espiritualidade da fraternidade. Nos acheguemos à janela para vermos e sermos vistos, conhecermos e sermos conhecidos, amarmos e sermos amados e assim, construirmos um mundo fraterno e justo sem deixar ninguém de fora, a começar pelos últimos.

BIBLIOGRAFIA

FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Fratelli Tutti (Sobre a fraternidade e a amizade social). Brasília: Edições CNBB, 2020.

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