Álvaro Vitor
Nos tempos de Quaresma é comum entre nós católicos, a lembrança da disciplina e intimidade vivida por Nosso Senhor Jesus Cristo no deserto. Em um simples exercício de imaginação podemos perceber que o deserto é um lugar onde falta tudo. Ali não há sinais aparentes de vida; para a travessia, o caminhar precisa ser constante. É neste cenário de deserto como um lugar propício para a escuta de Deus que vislumbramos a figura da Virgem Maria, a Senhora das Dores. Como esta boa mãe pode nos ajudar a viver os dias que ainda restam de Quaresma?
A Virgem Maria ensina a confiança. No seu fiat está uma atitude disponível e generosa, completa resposta humana a Deus. Ela se abre à novidade da ação da Graça, que lhe fora dada de maneira especial. Confia nos desígnios divinos sem oferecer resistência, apenas o acolhe atentamente como um bom servo tem os olhos fitos nas mãos do seu senhor (cf. Sl 123, 2). Ao contrário de Eva que se fechou ao amor-doação do Senhor, seguindo a racionalidade egoísta e induzida pelo Tentador, Maria encontra e testemunha a perfeita liberdade da fé, confiança e abandono ao plano divino da Salvação (cf. Lc 1, 46-55).
É sabido por nós que Deus não viola a nossa capacidade de escolha quando nos relacionamos com ele. Isso é muito claro no momento da anunciação (cf. Lc 1, 26-38), pois o anjo Gabriel só deixa a presença da Virgem após seu consentimento: fiat mihi secundum verbum tuum – faça-se em mim segundo a tua palavra. Nesta quaresma não é diferente, Deus quer entrar, quer se encarnar, quer morar em nossas almas, em nossos corações. Para isso, pede o bom uso do nosso livre-arbítrio. Em outras palavras, quer de nós a decisão de aceitar humildemente sua visita, como Maria, fazer bom proveito da liberdade – dar o “Sim” a Deus.
A Virgem nos ajuda na prática do amor. Após Cristo, que é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, foi ela quem mais perfeitamente viveu o mandamento do amor a Deus e ao próximo. Isso se manifesta a cada momento difícil de sua vida quando estava de pé, em comunhão de vontade com seu filho, lembrando-se que ele se entregaria pela salvação de todos (cf. Mc 10, 45). Assim como Eva esteve unida a Adão na queda, Maria está unida a Cristo na obra de reparação do pecado e na elevação do homem para Deus (LAGRANGE, R.G. A mãe do Salvador e nossa vida interior. Ecclesiae, Campinas: 2017. p.149.). Tudo isso por causa do amor.
Maria não é mãe do Salvador somente por tê-lo concebido em seu ventre, mas também moralmente, através de seus atos concretos cheios de caridade para com o próximo e desejo de agradar a Deus em tudo (LAGRANGE, 2017, p.151). Também está presente no coração doloroso e confiante a virtude da humildade. No casamento em Caná, vemos que sua atitude é se aproximar de Jesus e pedir a ele em favor dos donos da festa. Maria não arroga para si a posição central de quem poderia resolver o problema da falta de vinho, mas se mantém como serva humilde e consegue de seu filho o milagre (cf. Jo 2, 1-11). Isto muito nos ensina e exorta à mudança de vida, uma vez que Deus resiste aos soberbos mas dá a sua graça aos humildes (cf. 1Pd 5,5).
Esta simples mulher que veneramos como Virgem das Dores, participa com profundidade de espírito na obra da redenção sendo obediente. Ao coração apegado e escravo de seus desejos causa certa perplexidade em ver a mãe ofertar confiantemente seu único filho no alto do Calvário. É algo incompreensível à racionalidade da família humana acostumada a viver cômoda e indiferentemente aos mistérios de Deus. Se em nós imperar a mentalidade dos fariseus, segundo a qual Deus deve agir dentro dos esquemas da lei e da ordem estabelecida por eles, não entenderemos a grandeza de alma presente na Virgem Maria. Ela permite realmente Deus ser Deus em sua vida – se abandona inteiramente nos seus planos.
Então, o tempo quaresmal de caminhada pelo deserto em união a nosso Salvador Jesus Cristo, pode ser melhor vivenciado com o auxílio da Senhora das Dores. Esse socorro é real e concreto em nossas vidas a partir da imitação de suas virtudes: confiança, amor a Deus e ao próximo, humildade e obediência. Olhar para a figura de Maria nos fará compreender que à humanidade é possível corresponder positivamente ao amor divino. Ainda mais, ela ajuda a tornar nossa fé mais ardente na vocação de participar do mistério de Deus.
Como mãe fiel nos ajudará a viver bem estes dias seguintes da quaresma e entrar conscientes na Semana Santa. Ela nos ajudará, portanto, a deixar Deus ser realmente Deus em nossas vidas. Caminhar constantemente no deserto da vida experimentando em cada situação a Páscoa – morte e ressurreição.