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SIM: VIVEMOS UMA SOCIEDADE DO BURNOUT

SIM: VIVEMOS UMA SOCIEDADE DO BURNOUT

Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao carácter da humanidade, fortalecer em grande medida o elemento contemplativo.”( NIETZSCHE apud Byung Chul-Han, 2015 p.20.)

 

Não podemos negar que o século XXI é marcado por um ativismo humano cada vez mais desenfreado e com consequências que se mostram um tanto irreversíveis. Nesse sentido, faz-se necessário refletir em parte o campo de atuação do Burnout, sua definição, os indivíduos que têm propensão a sofrê-lo e onde devem buscar o sentido da vida para se preservarem de tal problema. Ademais, como caminho, contaremos com o olhar clínico de autores como Byung Chul-Han, Viktor Frankl e Roberto Almada.

Ao tocar o elemento contemplativo, Byung Chul-Han ressalta a importância daquilo que gera verdadeiro sentido às expressões de vida humana. Sem a contemplação, exercício que volta o homem para si mesmo em uma posição de meditação dos seus atos e do mundo que o rodeia, a vida do homem decai em um ativismo mortal e suas expressões de vida se abdicam de sentido. Ademais, na figura do homem contemporâneo, essa afirmação se concretiza de forma mais intensa, pois esse tem perdido o autocuidado, ocasionando uma substituição do olhar contemplativo pela autocobrança e o ativismo profissional, proporcionando uma inquietude, estabelecendo um desgastamento pessoal e profissional enorme. Dessa forma, como produto de uma conjuntura que demonstra um retrocesso, a modernidade tem lidado com um dos problemas ressoantes a esse estilo de vida: o Burnout.

Podemos definir Burnout como uma síndrome do esgotamento profissional.(ALMADA, 2013, p.26.) Esse termo foi utilizado pela primeira vez em 1974 pelo psiquiatra Herbert Freudenberger. Também pertencente à linguagem aeronáutica, Burnout tem sua origem numa analogia feita com o módulo do foguete que contém combustível e que, cumprida a missão de levar a cápsula para fora da atmosfera, fica girando, totalmente vazio e inútil pelo espaço.(ALMADA, 2013, p.27.) Com isso, podemos observar que essa síndrome, também chamada de síndrome do esgotamento profissional ou desânimo profissional, tem por definição um estado de fadiga ou frustração do indivíduo que, empenhado em suas atividades, não é correspondido com os resultados esperados, gerando uma enorme fadiga psicológica e uma crise existencial.

No entanto, quais seriam as pessoas mais propícias a desenvolverem essa síndrome? Segundo Freudenberger (1980), aquelas que possuem uma imagem muito positiva de si mesmas estão na mira do Bornout. Seria o caso, por exemplo, daquele sujeito muito otimista, idealista, ingênuo, que se esforça ao máximo para que o sentido da tarefa realizada por ele tenha como realidade objetiva o sucesso, sem enxergar a possibilidade do fracasso. No entanto, quando ele se depara com a realidade de ter fracassado, o desgaste psicológico e a perda de sentido se sobrepõem em sua vida. Por isso começa a manifestação de vários sintomas como o esgotamento emocional, que leva ao esgotamento físico e psicológico em que o indivíduo sofre abulia, ou seja, uma falta de vontade, uma diminuição da sua energia vital; desinteresse e apaticidade diante de assuntos que o chamavam atenção; a despersonalização que gera um sentimento de inadequação ao lugar, como se o ambiente de trabalho se tornasse estranho e a baixa realização pessoal que resulta na desilusão do que se fazia com tanta vivacidade.

Dentro desse cenário, o homem se vê esgotado pelo trabalho, desgastado profissional e existencialmente. Victor Frankl, em seu livro “Em busca de sentido”, cita uma frase Nietzschiana que afirma: “Quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como”.( NIETZSCHE apud Frankl, 2011, p. 71.) Os estímulos negativos pelos quais passam a pessoa a fazem se perder tentando resolver o externo, esquecendo-se do mais importante: seu interior. Como nos afirma Frankl, “nada possuímos a não ser, literalmente, nossa existência nua e crua.”(FRANKL, 2011. p. 16.) Se retirarmos do homem contemporâneo tudo que o adorna, sobra-lhe a existência mal cuidada, mal amada. Sobra-lhe uma existência que não contempla, mas que possui um sentido perdido em um grande ativismo.

Por isso, o sentido da vida não está apenas em possuir um estímulo externo que nos impulsione a algo, mas também um sentido interno que nos resguarde, mesmo diante do fracasso. É apenas o indivíduo que deve quebrar o círculo vicioso que o leva a pensamentos como ‘tudo está perdido’ ou ‘não darei conta de nada’. Segundo os psicólogos cognitivos, o Burnout só poderá ser controlado através do campo de influência. Nele a pessoa muda pequenos hábitos do “como se trabalha”, tornando-se mais ativa ao seu presente, ampliando seu olhar contemplativo para a vida, como o simples fato de respirar um ar puro nos minutos de intervalo ao invés de ficar respondendo e-mails.

Diante do que foi abordado neste artigo, infere-se que todo o contexto que leva à perda de sentido, crise existencial, ativismo pessoal, precisa ser repaginado de forma a contribuir no desenvolvimento dos estímulos de vida da pessoa e fazer com que ela desvele para si mesma o que é realmente necessário para a construção de sua identidade. Embora o profissional ativo seja de grande valia para a produção na sociedade, o preço pago por ele é altíssimo. Por isso, a melhor vacinação para o Burnout é a mudança de hábitos e de foco. É focalizar a esperança e o esforço no presente porque ele também é gerador de sentido. Contemple mais, cuide de si mesmo e viverá bem mais feliz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMANDA, Roberto. O cansaço dos bons: a logoterapia como alternativa ao desgaste profissional. Silas de Oliveira e Silva (trad). Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova, 2013.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Enio Paulo Giachini (trad.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
FRANKL, Viktor. Em busca de sentido: Um psicólogo no campo de concentração. 31.ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

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