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A RESPOSTA DE THOMAS REID

A RESPOSTA DE THOMAS REID

AO CETICISMO MODERNO
PRESENTE NA OBRA INVESTIGAÇÃO SOBRE A MENTE HUMANA
SEGUNDO OS PRINCÍPIOS DO SENSO COMUM

O ceticismo pode ser entendido, em linhas gerais, como uma atitude de desconfiança quanto a determinado aspecto da realidade. Desse modo, o ceticismo envolve a dúvida ou, pelo menos, certa relutância quanto àquilo que está sendo assumido como verdade (GRECO, John. The Oxford Handbook of Skepticism. Oxford University Press, 2008, p. 17.). Partindo desse pressuposto podemos pensar que o que caracteriza cada tipo de ceticismo é o modo como essa atitude de desconfiança opera e a que aspecto da realidade ela se dirige. Assim, pode-se ser cético em relação a vários aspectos da vida e às crenças mais variadas.

Em sua história do ceticismo, Richard H. Popkin afirma que “o ceticismo como uma visão filosófica, e não como uma série de dúvidas acerca de crenças religiosas tradicionais, teve sua origem no pensamento grego antigo.” (Scepticism as a philosophical view, rather than as a series of doubts concerning traditional religious beliefs, had its origins in ancient Greek thought.” POPKIN, Richard Henry. The History of Skepticism from Erasmus to Descartes. Netherlands: Koninklijke Van Gorcum & Comp. N.V. Assen, 1960, p.9.). Segundo Popkin, no período helênico, as várias observações e atitudes dos pensadores céticos tentaram estabelecer por meio de uma série de argumentos que, primeiro, nenhuma espécie de conhecimento era possível e, em uma perspectiva alternativa, que há um número insuficiente e inadequado de evidências para determinar se é possível obter conhecimento de qualquer natureza.

A primeira dessas visões ficou conhecida como ceticismo acadêmico, por seu desenvolvimento ter ocorrido dentro da academia platônica. A segunda abordagem expressa aquilo que chamamos de ceticismo pirrônico. No mundo antigo, o ceticismo foi adotado como um modo de vida, no qual a desconfiança cética se contrapôs a certeza do pensamento dogmático. Na modernidade, o ceticismo teve um papel importante no desenvolvimento do pensamento epistemológico com a redescoberta das obras de Sexto Empírico (“In the sixteenth century, with the discovery of manuscripts of Sextus’s writings, there is a revival of interest and concern with ancient scepticism, and with the application of its views to the problems of the day.” (POPKIN, 1960, p. 16)).

A filosofia cartesiana é um bom exemplo dessa influência, porém Descartes não era cético no sentido estrito do termo, pois a finalidade de sua filosofia era na verdade combater essa corrente de pensamento. O filósofo francês acreditava que para fornecer uma resposta definitiva ao ceticismo seria necessário tomar de empréstimo o método dos pensadores céticos quanto ao elemento de dúvida e aplicá-lo de modo radical, até que se fosse possível obter um elemento de certeza que servisse de base para o conhecimento.( Anthony Kenny aponta que o Cogito evitou que a dúvida metódica, metodologia cartesiana, tivesse como resultado o ceticismo. “This is the famous Cogito, ergo sum, which achieves the second task of the philosopher, that of preventing the systematic doubt from leading to scepticism.” (KENNY, 2006, p.36)).

Embora a filosofia cartesiana tenha encontrado seu pontapé inicial nessa reformulação da metodologia cética, a filosofia de David Hume se entrelaça ao ceticismo de um modo ainda mais decisivo. Hume defendia que o resultado de nossas apreensões sensíveis são constituídos inteiramente de impressões e ideias, de modo que não podemos conhecer de maneira imediata e precisa a realidade.

A filosofia de Thomas Reid surge nesse contexto. A primeira grande obra de epstemologia de Reid, Investigação Sobre a Mente Humana Segundo os Princípios do Senso Comum (REID, Thomas. Investigação Sobre a Mente Humana Segundo Princípios do Senso Comum. São Paulo: Vida Nova, 2013), que é, grosso modo, uma análise de todas as faculdades de percepção humana, surgiu da tentativa do pensador escocês de fornecer respostas concretas à filosofia de David Hume que, em sua visão, tinha implicações céticas.

Com base nos elementos apresentados das manifestações de ceticismo na antiguidade foi possível encontrar na Investigação duas espécies distintas de ceticismo. É importante distingui-las, pois o modo como Reid responde a cada uma delas é de igual modo distinto.

À primeira dessas manifestações, com influências do ceticismo pirrônico, tem-se chamado de ceticismo quanto à fiabilidade epistêmica. O ceticismo quanto à fiabilidade epistêmica está ligado à dúvida quanto à confiabilidade de nossos sentidos, ou aparato perceptivo, no processo de percepção da realidade externa. Sendo assim, essa espécie de ceticismo se apresenta, sobretudo, em correntes de pensamento epistemológico que tem como pressuposto a desconfiança nas faculdades de percepção humanas.

Essa corrente de pensamento tem por base a noção de que há um número insuficiente de evidências que comprovem que de fato podemos conhecer a realidade, isto é, não sabemos se podemos conhecer, pois, nossos sentidos podem nos enganar. Reid fornece uma resposta rápida a essa espécie de ceticismo tomando como exemplo a filosofia de Descartes. Reid afirma que, apesar de Descartes ter partido da noção de que nossos sentidos podem nos enganar, essa mesma dúvida pode ser aplicada a consciência. Sendo assim, o Cogito pode servir para atestar a realidade da consciência, mas não sua fiabilidade.

À segunda dessas manifestações Reid deu o nome de sistema ideal. Essa corrente de pensamento tem origem no ceticismo acadêmico, que tem por base a crença de que não podemos conhecer a realidade. O sistema ideal pode ser designado como sendo baseado na hipótese de que as ideias são os objetos imediatos das operações da mente, isto é, todo o conteúdo com o qual o nosso intelecto tem contato são imagens mentais, representações ou ideias.

Isso implica que não podemos conhecer de modo adequado a realidade externa. Reid argumenta que o pressuposto fundamental do sistema ideal, de que as ideias são os únicos objetos das operações da mente, é inteiramente baseado em uma hipótese. Isto quer dizer, que esse princípio não foi suficientemente provado e deve ser rejeitado em função desse defeito originário.

Mas se não é possível comprovar a fiabilidade da consciência e a existência de ideias, essa impossibilidade não nos conduziria a um ceticismo de tipo muito mais radical, que rejeitaria inclusive o Cogito cartesiano? A solução de Reid para esse impasse é bem outra, se não há um modo de fornecer evidências, nossa constituição original nos faz crer na fiabilidade da consciência e em nossa própria existência.( “A maneira de evitar esses dois extremos é admitir a existência do que vemos e sentimos como um primeiro princípio, assim como admitir a existência de coisas das quais somos conscientes, e extrair nossas noções das qualidades do corpo do testemunho de nossos sentidos, com os peripatéticos, e nossas noções de nossas sensações, do testemunho da consciência, com os cartesianos.” REID, 2013, p.212). Conclui-se que, segundo a visão de Reid, a existência do homem e da consciência devem ser admitidos como primeiros princípios sem os quais não poderia haver filosofia.

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