Nos prolegômenos, Kant levanta algumas questões que são de extrema importância para responder posteriormente uma pergunta maior: “Como é possível a metafísica como ciência?” (KANT, 2014, p.51). Uma das perguntas levantadas por ele é sobre a possibilidade da matemática pura. E, para que ela seja possível como ciência pura, precisa conter, como fundamento de seus conhecimentos, intuições puras a priori, que são anteriores a qualquer experiência.
Para Kant, não há dúvidas de que os conhecimentos matemáticos são puros e sintéticos, ou seja, não têm como fundamento a experiência. Apesar disso, há uma dificuldade no enunciado acima, não pelas cognições matemáticas serem puras a priori, mas no “Como é possível para a razão humana produzir uma cognição como essa inteiramente a priori?” (KANT, 2014, p.53). Sendo essa uma importantíssima questão que deve ser respondida, para, primeiro, mostrar como a matemática pura é possível, e, depois, chegar na conclusão de “Como é possível a metafísica como ciência?”
Os conhecimentos matemáticos se dão por meio de intuições, e, como consequência, uma matemática pura deve basear seus conhecimentos em intuições puras. Assim como as intuições empíricas, as intuições puras a priori devem carregar a possibilidade de ampliação por meio de predicados que a elas serão acrescentados, a distinção entre ambas se dá pela intuição empírica conseguir ter a certeza do que afirma somente pela experiência, isto é, de forma a posteriori, enquanto nas intuições puras, a certeza dos seus juízos poderá ser afirmada antes da experiência, ou seja, de forma a priori, já que essa intuição precede o contato com os objetos.
Mas o que é intuição? Nos dizeres de Kant, intuição é: “uma representação tal que dependeria imediatamente da presença do objeto” (KANT, 2014, p.54). Com esse dado, parece uma tarefa impossível para a matemática elaborar as intuições puras a priori, pois “como é possível intuir uma coisa sem antes ter tido contato com essa coisa?” Mas para o filósofo em questão, essa é uma resposta muito simples: se a intuição tivesse a obrigação de representar uma coisa tal como ela é em si mesma, seria uma tarefa impossível, pois isso só seria possível pelas intuições empíricas, descartando, assim, a possibilidade de intuições puras.
Por isso, só pode haver uma maneira para a possibilidade de intuições puras a priori: “se ela não contém nada mais que a forma da sensibilidade, que em mim, enquanto sujeito, precede todas as impressões reais com que sou afetado por objetos” (KANT, 2014, p.55). Isto é, a condição para as intuições puras a priori se dá pelo fato de podermos intuir a “possibilidade” do aparecimento dos objetos na experiência, não suas qualidades ou eles mesmos. Com essa afirmação, uma outra de tamanha importância deve ser expressa: “intuições que são possíveis a priori não podem jamais dizer respeito a outras coisas além dos objetos de nossos sentidos” (KANT, 2014, p.55). Isso porque não podemos conhecer o que está para além de nossos sentidos, e, como podemos intuir apenas a forma da sensibilidade dos objetos, é impossível intuir algo que esteja além do que pode ser representado pelo tempo e espaço. Se assim fizermos, estaremos apenas criando intuições ficcionais, que não correspondem a nada da experiência e não podem ser tidas como conhecimento.
Com isso, percebemos que, através do tempo e espaço, que são as formas da sensibilidade, podemos ter intuições puras a priori, mas que não dizem da coisa como é em si mesma, apenas da possibilidade de seu aparecimento a nós. E, uma vez que tempo e espaço não pertencem as coisas em si mesmas, mas são condições de possibilidade para os objetos, podemos dizer que se retirado o que é empírico de um determinado objeto, ainda assim eles, tempo e espaço, nos restariam, pois são apenas intuições que antecedem os objetos, estando presentes apenas no sujeito que intui.
Percebemos também que não podemos intuir a matéria nem a sensação das coisas, mas apenas sua forma, tempo e espaço, uma vez que a matéria e a sensação dizem respeito ao empírico. Por isso, se considerarmos tempo e espaço como pertencentes às coisas e não ao sujeito, devemos imediatamente excluir a possibilidade de intuições puras a priori, pois seria impossível intuir algo sem o prévio contato com os objetos, visto que essa é a única maneira de intuirmos a priori.
Portanto, o problema de “como é possível a matemática pura?” estaria resolvido. Kant apresenta a solução da seguinte maneira: “A matemática pura, enquanto cognição sintética a priori, só é possível porque não se refere a nada mais que meros objetos do sentido, cuja intuição empírica está a priori fundada em uma intuição pura (do espaço e do tempo), e pode fundar-se desse modo porque não é senão a mera forma da sensibilidade que precede o aparecimento real dos objetos, na medida em que ela é o que, em primeiro lugar, o torna possível” (KANT, 2014, p.56-57).
Referência
KANT, Immanuel. Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa apresentar-se como ciência. 2.ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2014.