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A Ação missionária da Igreja: o olhar de Paulo VI nas vésperas dos 50 anos da Evangelii Nuntiandi

A Ação missionária da Igreja: o olhar de Paulo VI nas vésperas dos 50 anos da Evangelii Nuntiandi

A Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (EN), escrita por sua santidade, o papa Paulo VI, constitui, sem dúvidas, um baluarte sobre a ação missionária da Igreja nos nossos dias. Produzida em 1975, a Exortação está longe de ser um documento circunscrito apenas na década de 70, pois ilumina também os tempos que se seguiram à publicação do documento, interpretando as necessidades dos “tempos novos de evangelização” (EN, 2), inclusive ainda hoje, 50 anos depois de sua publicação, reverbera no seio da vida da Igreja. Mas por que o papa se preocupou em repensar a evangelização? Não bastaria apenas continuar o trabalho que a Igreja sempre fez desde seu início? A mensagem anunciada estaria esgotada? O problema encontra-se exclusivamente no método do anúncio?

Essas e outras questões parecem ter acompanhado boa parte do papado deste grande santo do nosso século. Já desde o início do texto, desenha como a reflexão acerca da evangelização acompanhou a vida da Igreja nos últimos tempos, urgindo como necessidade fundamental para a continuidade de um anúncio eficaz dentro da realidade em que a Igreja se encontra inserida. Não obstante, afirma que “é absolutamente indispensável colocar-nos bem diante dos olhos um patrimônio de fé que a Igreja tem o dever de preservar na sua pureza intangível, ao mesmo tempo que o dever também de o apresentar aos homens do nosso tempo, tanto quanto isso é possível, de uma maneira compreensível e persuasiva” (EN, 3).

Para tanto, Paulo VI parte de alguém que, se tratando de evangelização, é, ou deveria ser, começo, meio e fim de toda ação da Igreja: Jesus Cristo. Ele é “o primeiro e maior dos evangelizadores” (EN, 7), modelo perfeito que toda a Igreja deve seguir e anunciar. Sua atividade evangelizadora, isto é, toda a sua vida involucrada no mistério da encarnação denota para nós o cumprimento perfeito daquele que em tudo agradava ao Pai. Anunciando o reino e a salvação, palavras-chave da ação de Jesus, estes são oferecidos a todos através de sua entrega total na morte e ressurreição, como graça e misericórdia de um Deus que tanto amou. Cabe aos homens aceitar essa graça “mediante uma total transformação do seu interior que o Evangelho designa com a palavra “metanoia”, uma conversão radical, uma modificação profunda dos modos de ver e do coração” (EN, 10).

Nesse sentido, seguindo o exemplo do Mestre e deixando-se transformar por ele, a Exortação nos ensina que a Igreja se torna uma comunidade evangelizada, composta por aqueles seguidores que fizeram um encontro pessoal com Jesus, agora chamada a ser também uma comunidade evangelizadora. Essa é, na verdade, sua grande missão: “ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição” (EN, 14) – essa é sua missão. Como Jesus, a Igreja precisa unir todo o conteúdo teórico de sua pregação e assumi-la em sua prática, vivenciada e testificada pelo testemunho autêntico de todos os batizados, agentes de evangelização – é, sobretudo, pelo testemunho que provoca a admiração e a conversão de outros, fomentando ainda mais a pregação e anúncio da Boa Nova. Entende-se, assim, que “existe, portanto, uma ligação profunda entre Cristo, a Igreja e a evangelização. Durante este “tempo da Igreja” é ela que tem a tarefa de evangelizar” (EN, 16).

Com o documento, podemos dimensionar qual a definição dessa ação evangelizadora que tanto se fala. É, em linhas gerais, dada tamanha complexidade dos elementos que se intercruzam na evangelização, anunciar a Boa Nova a toda a humanidade em todos os lugares, transformando-a a partir de dentro, pautada, primeiramente, na mudança interior de quem evangeliza, para, assim, alcançar a coletividade dos homens. Obviamente, todo esse movimento da ação evangelizadora deve estar em concomitância, sempre, com o sentido dessa ação: “não haverá nunca evangelização verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus, não forem anunciados” (EN, 22). É a complementação do testemunho autêntico de vida com a Palavra anunciada e proferida por aqueles que, batizados, vivem a vida da Igreja, sacramento de Salvação para todos os povos, que dará o sentido e a consistência necessária para todos.

Por conseguinte, a Exortação nos comunica que a mensagem da evangelização deve compreender essa complexidade do Evangelho com a vida concreta dos homens. É aqui que mora a razão de sua mensagem ser explícita, uma mensagem que não muda, ou seja, o próprio Jesus Cristo, Palavra eterna do Pai, mas necessitada de adaptação às diversas situações, bem como atenta e sempre atualizada: “sobre os direitos e deveres de toda a pessoa humana e sobre a vida familiar, sem a qual o desabrochamento pessoal quase não é possível, sobre a vida em comum na sociedade; sobre a vida internacional, a paz, a justiça e o desenvolvimento; uma mensagem sobremaneira vigorosa nos nossos dias, ainda, sobre a libertação” (EN, 29). Não cabe, aqui, uma evangelização fechada em si, que não se abre ao diálogo com as várias realidades e vive desatenta às mudanças do tempo que sempre acontecem; ao contrário, inserido na realidade, é preciso anunciar conforme as exigências de cada tempo e espaço. É nesse espaço e tempo que será visualizado a necessidade de libertação que acima supracitamos e que Paulo VI acentua não ser assunto alheio à evangelização (cf. EN, 30).

Em continuidade com a exortação, é agora possível indicar as vias para a evangelização. O “como evangelizar” sempre foi um problema de muitas discussões na Igreja. Porém, alguns caminhos são seguros e indispensáveis para a adaptação dos meios acontecerem sem que se perca a essência dessa ação. Sem exaurir-se na repetição, o Papa retoma a importância do testemunho de vida como primeiro meio de evangelização, primordial em quaisquer circunstâncias; a pregação, no sentido audível, proclamado, anunciado, sendo necessário e indispensável ouvir a Palavra; a Liturgia, testificadora da oração e base para a atuação, numa reciprocidade forte entre o que se é rezado e o que se é vivido (não há sentido nenhum na oração se ela não se traduz em ação, mudança de vida e vice-versa); o ensino catequético; a utilização dass mass media, visão profética de Paulo VI visto o contexto tecnológico das mídias digitais em que o mundo se encontra inserido na atualidade; o indispensável contato pessoal; entre outros pontos importantes destacados ao longo do texto.

Adiante, o papa ressalta outro aspecto importante: “a Igreja reanima-se constantemente com a sua inspiração mais profunda, aquela que lhe provém diretamente do Senhor: por todo o mundo! A toda a criatura! Até as extremidades da terra!” (EN, 50). É um anúncio a todos, sem distinção de fé, raça ou nacionalidade. Nessa perspectiva, a exortação vai apontando várias esferas da sociedade que a Igreja deve entender como local de missão. Ressalta-se, mais uma vez, a perspicácia do Papa com um diagnóstico tão assertivo para aquela época, mas também para nossos dias: o diálogo importante com as outras religiões, mesmo as não-cristãs; os batizados não-praticantes, tão comum nos dias de hoje, acentuando a importância de procurar compreender o fenômeno, refletindo todos os aspectos que orbitam em torno dele; entre outros pontos bastante interessante, assertivos e atuais.

Por fim, são inúmeras as reflexões que se poderia tirar de uma tão proveitosa Exortação que garante seu caráter atemporal no nosso presente século. Uma última coisa ressaltamos aqui, sendo chave ímpar para a ação evangelizadora que foi tanto refletida: é que “nunca será possível haver evangelização sem a ação do Espírito Santo” (EN, 75). É Ele o guia, aquele que de fato conduz a Igreja, a alma desta mesma Igreja. Como bem diz o Papa, as técnicas para a evangelização são ótimas, mas sem o Espírito Santo estão fadadas à impotência. É ele “o agente principal da evangelização: é ele, efetivamente que impele para anunciar o Evangelho, como é ele que nos mais íntimo das consciências leva a aceitar a Palavra da salvação” (EN, 75).

De fato, a leitura do texto provoca muitas reflexões, sobretudo quando comparada com a leitura da atual ação evangelizadora que temos e que, inclusive, praticamos em nossa ação pastoral. Há, ainda hoje, quase 50 anos depois, muitos aspectos que não foram superados e que se encontravam nos problemas detectados e apontados por Paulo VI na década de 70. E, sobretudo, persiste ainda muitas perguntas como as feitas no início desta reflexão, talvez mais clarificadas se alinhadas com as reflexões que a Igreja nos oferece como as dessa Exortação. Todavia, concluímos, ainda com Paulo VI, que não há motivos para desesperar-se, mas, ao contrário, há motivos para esperançar-se. Com a graça que provém da Trindade, na sincera posição de uma busca pela santidade concretizada na conversão pessoal e cotidiana, é possível, em comunhão com toda a Igreja, perseverar no anúncio da Boa Nova de Cristo para todos os povos, tornando-nos, como sonha a Igreja, verdadeiro discípulos missionários.

Autor: Seminarista Yuri Alex- 2° ano da Configuração.

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